"O segredo de sua permanência é a antiguidade. Ele atinge o fundo arcaico da sociedade brasileira e de cada um de nós." Foi assim, na crítica de
Um Caipira em Bariloche (1973) publicada no
Jornal da Tarde (SP), que o crítico Paulo Emílio Salles Gomes buscou explicar a popularidade de Amácio Mazzaropi, e especificamente da sua
persona de caipira.
Apesar de marcado como "Jeca" no consciente coletivo, foi como um caminhoneiro que Mazzaropi estreou no cinema, em
Sai da Frente (1952). Na fase inicial de sua carreira cinematográfica, alternou constantemente entre tais tipos urbanos da classe operária da grande São Paulo e o tipo caipira (que já no ano seguinte, com
Candinho [1953], interpretaria pela primeira vez no cinema).
Essas duas facetas da obra de Mazzaropi estão presentes nos dois filmes que compõem este programa, ambos feitos via sua própria produtora.
Jeca Tatu (1959) é o seu filme mais clássico, aquele que propriamente inaugurou o personagem que seria seu carro-chefe pelas duas décadas seguintes.
O Vendedor de Linguiça (1962) é uma comédia de costumes protagonizada por um linguiceiro morador do Brás.
Simplórios e diretos, seus filmes apresentam questões sociais e conflitos que se resolveriam - e, por vezes, se resolvem - com dinheiro. Afinal, "O que ouro não arruma não tem mais arrumação", diz uma das canções de
Candinho. A comédia de trejeitos e estereótipos é repetitiva, por vezes se valendo de preconceitos de classe e gênero, pela acentuação das diferenças. Explicita-se a crueldade e a sagacidade do Jeca. A crítica política, quando há, se resume à denúncia do coronelismo, dos interesses escusos dos candidatos e do velho esquema do voto de cabresto.
Tudo isso lhe valeu a pecha de alienado, que sua crítica contemporânea nunca abandonou. Apesar disso, seu público era fiel, das capitais aos interiores. Nove dos 32 filmes que estrelou estão oficialmente na
lista das bilheterias do cinema nacional com mais de um milhão de espectadores, e há
indícios de que pelo menos mais dois estariam no topo da lista caso fosse possível precisar os dados de bilheteria antes de 1969, ano da fundação da Embrafilme, a partir do qual essas estatísticas foram medidas e preservadas com mais zelo.
Ponto fora da curva num cenário de constante penar financeiro e dependência estatal, Mazzaropi se valeu de seu tino comercial para manter um esquema de produção independente, constante e lucrativo, o que lhe permitia inclusive determinar as datas exatas de lançamento de seus filmes no circuito - algo impensável para outros cineastas brasileiros.
Com o distanciamento de tantas décadas, pode-se agora avaliar a contribuição desse fenômeno único do cinema brasileiro que foi Mazzaropi, sem paixões, sem clubismos.
Agradecimentos especiais: Paulo Wences Duarte, Erika Amaral, Rodrigo Curi de Matos, e Luís Costa